O filme vencedor do Oscar para melhor animação(longa) foi o Ratatuille.
Outro filme nomeado era o Surf's Up, outro filme em 3D e depois havia outro filme de nome Persepolis, com animação 2D digital e desenhos pouco apelativos à primeira vista.
Eu não acompanho os Oscares. Acho que é um festival de cinema em que o "mérito pelo prémio" é um factor de ponderação secundário, dando prioridade aos que "já foram nomeados tantas vezes e nunca receberam, coitados!",ao "fica bem, porque o actor é estrangeiro" ou "fica bem, porque esse actor é negro" ou ao "o que é que nunca aconteceu em nenhuma cerimónia dos Oscares? Não darmos nenhum prémio a actores americanos numa gala? Vamos a isso!" ou por aí a fora(não vou sequer entrar pelo factor de escolha dos nomeados)... mas obviamente vou sabendo por aqui ou por ali que este ou aquele está nomeado e este ou aquele ganhou isto ou aquilo.
Não quero dizer que não premeiem bons profissionais ou bons filmes, mas vejo mtos ficarem sem o tal homenzinho dourado por motivos estranhos.
Voltando ao início, o Oscar para melhor filme de animação. Quanto ao Surf's Up, é mais um filme em 3D com temática e design de personagens colado ao Happy Feet... só por aí já merecia NO MINIMO estarem Os Simpsons em vez deste, mas tudo bem.
Ratuille já todos viram, se não com certeza já viram algum dos filmes da Disney/Pixar e saberão a base da históra. Tem pormenores muito bons em termos técnicos de efeitos 3D, as piadas e dramas habituais. Não é um filme nada mau, é bem giro, mas com a mesma formula que a aplicada em todos os outros filmes dessa empresa.
Qto ao Persepolis, é um filme baseado numa BD Francesa (por aí o aspecto das imagens) realizado por uma Iraniana(também autora do livro) que conta a história da vida pessoal da mesma. De pequena a adulta o filme vai evoluindo conforme a mentalidade da personagem principal. Tem humor, drama, politica, amores (e "desamores"), inocência, guerra, etc. Tem pormenores de animação muito bons. Uns detalhes só como exemplo, está excelente a animação de como as pessoas morrem ao longo do filme, várias maneiras diferentes, todas muito fortes e muito boas... ou ver ela num concerto punk com todos a dançarem como fazem realmente ou quando ela está a curtir Iron Maiden com uma raquete e a fazer head banging. Vê-se que quem animou ou sabia como era ou estudou como era.
Enfim, o vencedor foi o Ratatuille. Para mim, é ridiculo estarem a concorrer ao mesmo prémio no mesmo festival.
sexta-feira, fevereiro 29, 2008
quinta-feira, fevereiro 28, 2008
Alvin e Heidi Toffler
"Numa entrevista conjunta, Alvin e Heidi Toffler fazem aquilo a que estão habituados:
lançar ideias sobre o futuro. Uma das tendências é a formação de novas "e estranhas" religiões
O casal de futurólogos Alvin e Heidi Toffler esteve esta semana em Portugal, para uma conferência organizada pela Ordem dos Biólogos. A biotecnologia, disseram, vai ajudar a transformar a sociedade e a economia.
A que ponto vai a biotecnologia moldar o futuro?
Alvin Toffler: A biotecnologia é muito importante. É parte de uma quarta vaga. Mas não é a única tecnologia do futuro. Terá que ser combinada com a nanotecnologia e com a tecnologia no espaço para conseguirmos dar grandes saltos. Muitas pessoas não sabem que quando usam o multibanco, ou quando vêm televisão, estão de facto dependentes de tecnologia que está no espaço. Muitos pensam que o espaço não é importante, que é uma brincadeira, ou que é um assunto militar. Mas não é. É o início de uma parte fundamental da economia do futuro.
Em que áreas pode a biotecnologia ter mais impacto?
Heidi Toffler: Todos os países hoje têm problemas com a saúde. A genética está a ajudar a resolver muitos desses problemas. Hoje sabemos que muitas das doenças que julgávamos serem causadas por um vírus ou bactéria têm afinal uma base genética. Se conhecermos os genes que herdámos podemos intervir e, até certo ponto, mudar os nossos estilos de vida para nos tornarmos menos susceptíveis às doenças.
Os cientistas prevêem que as populações do mundo que estão a envelhecer serão muito caras, devido a doenças como a diabetes ou Alzheimer. Ainda não sabemos exactamente quais as consequências disso para a economia e para a sociedade, mas serão enormes.
A biotecnologia será característica de uma quarta vaga. Isso quer dizer que já estamos na terceira vaga que descreveram no vosso livro?
A: Não. Estamos no limiar da mudança, que vai demorar provavelmente uma geração.
H: Um dos exemplos são os jornais. Os jornais estão a assistir a um declínio da publicidade, que está a ir para a Internet. Isso é um desenvolvimento típico da terceira vaga. E a transição é o que está a causar o problema. Ainda não sabemos como nos adaptar a estas mudanças.
A: Enquanto alguém que adora a imprensa e que fica coberto de tinta preta todos os dias ao pequeno almoço e que escreveu para jornais, acho triste que a imprensa vai de facto...
H: Nós não concebemos comprar uma máquina para onde possamos descarregar as notícias. Ainda gostamos de jornais. Somos da geração errada, não lemos notícias na Internet.
A: Mas não vamos gostar dos jornais para sempre. Eu leio todos os dias, durante horas, pelo menos três jornais. Mas pergunto-me: "Porque não leio no ecrã?", como fazem muitos jovens. A resposta é que não quero estar sentado em frente ao ecrã. O fim do jornal acontecerá quando o papel for electrónico, quando o pudermos dobrar, virar e pôr no colo. O jornal é uma invenção fantástica da segunda vaga. Mas aquilo que faz é dar a todos a mesma informação. Não é personalizado.
Defendem que a personalização é uma das grandes mudanças do futuro próximo. Mas não haverá sempre produtos que precisam de ser fabricados em massa?
H: Com a ajuda dos computadores, os produtos poderão ser todos personalizados...
A: Os diferentes produtos vão fazer a transição para a personalização a velocidades diferentes. Nem tudo terá forçosamente que ser feito à medida de cada um. Mas se alguém quiser algo à medida, poderá tê-lo. Estamos a passar da produção em massa para a desmassificação. Esta desmassificação está a começar a acontecer em vários sectores da sociedade.
A Internet está a ajudar a esse fenómeno. As pessoas juntam-se online em grupos de interesses muito específicos. Isto tem tido efeitos na comunicação de massas e na política, por exemplo. Numa entrevista em 1998, o professor Toffler mostrou-se céptico quanto às comunidades online. Mantém essa posição?
A: Não sou céptico. As comunidades virtuais existem. É possível criar grupos online para todo o tipo de finalidades. São pessoas que nunca estiveram fisicamente na mesma sala, mas que se organizam. A questão é saber se essa organização pode ser transposta do ecrã do computador para outro nível, de forma a criar um movimento. Por exemplo, um movimento político. É possível criar um partido político online. Mas se quisermos fazer uma marcha... Bem, podemos marchar no ecrã, mas se queremos que as pessoas nos prestem atenção, temos que marchar à porta de casa delas.
Será que podemos transferir um movimento político, ou de outro género, de um espaço virtual e criar a mesma coisa no terreno, face-a-face? Acho que é muito difícil. Na Internet, é possível juntar pessoas de todo o mundo, mas estas não vão do Japão ou da Coreia para participar numa marcha em Washington...
É possível fazer isso a algumas escalas. Todos os candidatos à presidência americana apostaram numa forte presença online. Barack Obama tem sido bem sucedido a usar a Internet para motivar os jovens. Não é um exemplo de que os movimentos online podem passar para o mundo offline?
H: Sim, mas ele continua a ter que ir a cada Estado falar com as pessoas.
A: Penso que virá o dia em que teremos online uma experiência que será muito próxima da interacção humana...
H: Vais continuar a precisar de contacto face-a-face! Isso não pode ser substituído. Eu não me imagino sentada em casa e ter o Second Life como um substituto para a minha própria vida. É preciso termos uma vida muito má, para querermos ter um substituto artificial. Até certo ponto, é triste que haja pessoas que gastem a vida assim. O que é a vida deles?
As comunidades que se formam online são novas formas de associação. Poderão vir a substituir outras formas de associação, como as religiões ou simplesmente grupos de vizinhos?
A: Suspeito que vamos assistir ao nascimento de novas e estranhas religiões. Já há muitas religiões no mundo. Mas temos espaço para muitas mais. Pequenos grupos, e isto já aconteceu, podem criar novas versões de religiões já existentes, ou então religiões completamente novas. E há partes de religiões existentes que vão autonomizar-se. Podemos chamar-lhes quasi-religiões.
H: Pessoalmente, não me interessa o que as religiões fazem. Podem existir todos os grupos religiosos que quiserem, desde que não influenciem a política.
Essa influência existe, nomeadamente nos EUA...
A: Aconteceu durante a última administração...
H: E isso é um grande problema!
A: As igrejas fundamentalistas têm sido muito activas politicamente...
H: E decidem quem é nomeado para o Supremo Tribunal e, portanto, decidem as leis que influenciam a minha vida. Um dos elementos-chave nestas primárias é que os grupos da direita religiosa perderam poder. [Mike] Huckabee é o único que representa a direita religiosa.
A: Nós vamos votar em Obama. Não por causa do que ele promete. Os candidatos fazem promessas, mas a verdade é que é impossível para eles cumprirem as promessas que fazem. Vamos votar nele porque é um bom sinal para o mundo que a América tenha um Presidente negro. E é um candidato inteligente."
in Publico.pt
lançar ideias sobre o futuro. Uma das tendências é a formação de novas "e estranhas" religiões
O casal de futurólogos Alvin e Heidi Toffler esteve esta semana em Portugal, para uma conferência organizada pela Ordem dos Biólogos. A biotecnologia, disseram, vai ajudar a transformar a sociedade e a economia.
A que ponto vai a biotecnologia moldar o futuro?
Alvin Toffler: A biotecnologia é muito importante. É parte de uma quarta vaga. Mas não é a única tecnologia do futuro. Terá que ser combinada com a nanotecnologia e com a tecnologia no espaço para conseguirmos dar grandes saltos. Muitas pessoas não sabem que quando usam o multibanco, ou quando vêm televisão, estão de facto dependentes de tecnologia que está no espaço. Muitos pensam que o espaço não é importante, que é uma brincadeira, ou que é um assunto militar. Mas não é. É o início de uma parte fundamental da economia do futuro.
Em que áreas pode a biotecnologia ter mais impacto?
Heidi Toffler: Todos os países hoje têm problemas com a saúde. A genética está a ajudar a resolver muitos desses problemas. Hoje sabemos que muitas das doenças que julgávamos serem causadas por um vírus ou bactéria têm afinal uma base genética. Se conhecermos os genes que herdámos podemos intervir e, até certo ponto, mudar os nossos estilos de vida para nos tornarmos menos susceptíveis às doenças.
Os cientistas prevêem que as populações do mundo que estão a envelhecer serão muito caras, devido a doenças como a diabetes ou Alzheimer. Ainda não sabemos exactamente quais as consequências disso para a economia e para a sociedade, mas serão enormes.
A biotecnologia será característica de uma quarta vaga. Isso quer dizer que já estamos na terceira vaga que descreveram no vosso livro?
A: Não. Estamos no limiar da mudança, que vai demorar provavelmente uma geração.
H: Um dos exemplos são os jornais. Os jornais estão a assistir a um declínio da publicidade, que está a ir para a Internet. Isso é um desenvolvimento típico da terceira vaga. E a transição é o que está a causar o problema. Ainda não sabemos como nos adaptar a estas mudanças.
A: Enquanto alguém que adora a imprensa e que fica coberto de tinta preta todos os dias ao pequeno almoço e que escreveu para jornais, acho triste que a imprensa vai de facto...
H: Nós não concebemos comprar uma máquina para onde possamos descarregar as notícias. Ainda gostamos de jornais. Somos da geração errada, não lemos notícias na Internet.
A: Mas não vamos gostar dos jornais para sempre. Eu leio todos os dias, durante horas, pelo menos três jornais. Mas pergunto-me: "Porque não leio no ecrã?", como fazem muitos jovens. A resposta é que não quero estar sentado em frente ao ecrã. O fim do jornal acontecerá quando o papel for electrónico, quando o pudermos dobrar, virar e pôr no colo. O jornal é uma invenção fantástica da segunda vaga. Mas aquilo que faz é dar a todos a mesma informação. Não é personalizado.
Defendem que a personalização é uma das grandes mudanças do futuro próximo. Mas não haverá sempre produtos que precisam de ser fabricados em massa?
H: Com a ajuda dos computadores, os produtos poderão ser todos personalizados...
A: Os diferentes produtos vão fazer a transição para a personalização a velocidades diferentes. Nem tudo terá forçosamente que ser feito à medida de cada um. Mas se alguém quiser algo à medida, poderá tê-lo. Estamos a passar da produção em massa para a desmassificação. Esta desmassificação está a começar a acontecer em vários sectores da sociedade.
A Internet está a ajudar a esse fenómeno. As pessoas juntam-se online em grupos de interesses muito específicos. Isto tem tido efeitos na comunicação de massas e na política, por exemplo. Numa entrevista em 1998, o professor Toffler mostrou-se céptico quanto às comunidades online. Mantém essa posição?
A: Não sou céptico. As comunidades virtuais existem. É possível criar grupos online para todo o tipo de finalidades. São pessoas que nunca estiveram fisicamente na mesma sala, mas que se organizam. A questão é saber se essa organização pode ser transposta do ecrã do computador para outro nível, de forma a criar um movimento. Por exemplo, um movimento político. É possível criar um partido político online. Mas se quisermos fazer uma marcha... Bem, podemos marchar no ecrã, mas se queremos que as pessoas nos prestem atenção, temos que marchar à porta de casa delas.
Será que podemos transferir um movimento político, ou de outro género, de um espaço virtual e criar a mesma coisa no terreno, face-a-face? Acho que é muito difícil. Na Internet, é possível juntar pessoas de todo o mundo, mas estas não vão do Japão ou da Coreia para participar numa marcha em Washington...
É possível fazer isso a algumas escalas. Todos os candidatos à presidência americana apostaram numa forte presença online. Barack Obama tem sido bem sucedido a usar a Internet para motivar os jovens. Não é um exemplo de que os movimentos online podem passar para o mundo offline?
H: Sim, mas ele continua a ter que ir a cada Estado falar com as pessoas.
A: Penso que virá o dia em que teremos online uma experiência que será muito próxima da interacção humana...
H: Vais continuar a precisar de contacto face-a-face! Isso não pode ser substituído. Eu não me imagino sentada em casa e ter o Second Life como um substituto para a minha própria vida. É preciso termos uma vida muito má, para querermos ter um substituto artificial. Até certo ponto, é triste que haja pessoas que gastem a vida assim. O que é a vida deles?
As comunidades que se formam online são novas formas de associação. Poderão vir a substituir outras formas de associação, como as religiões ou simplesmente grupos de vizinhos?
A: Suspeito que vamos assistir ao nascimento de novas e estranhas religiões. Já há muitas religiões no mundo. Mas temos espaço para muitas mais. Pequenos grupos, e isto já aconteceu, podem criar novas versões de religiões já existentes, ou então religiões completamente novas. E há partes de religiões existentes que vão autonomizar-se. Podemos chamar-lhes quasi-religiões.
H: Pessoalmente, não me interessa o que as religiões fazem. Podem existir todos os grupos religiosos que quiserem, desde que não influenciem a política.
Essa influência existe, nomeadamente nos EUA...
A: Aconteceu durante a última administração...
H: E isso é um grande problema!
A: As igrejas fundamentalistas têm sido muito activas politicamente...
H: E decidem quem é nomeado para o Supremo Tribunal e, portanto, decidem as leis que influenciam a minha vida. Um dos elementos-chave nestas primárias é que os grupos da direita religiosa perderam poder. [Mike] Huckabee é o único que representa a direita religiosa.
A: Nós vamos votar em Obama. Não por causa do que ele promete. Os candidatos fazem promessas, mas a verdade é que é impossível para eles cumprirem as promessas que fazem. Vamos votar nele porque é um bom sinal para o mundo que a América tenha um Presidente negro. E é um candidato inteligente."
in Publico.pt
sexta-feira, fevereiro 22, 2008
Um difuso mal-estar
No seguimento de uma noticia no público online estava a ler o texto que vem a seguir e a achá-lo interessante e pensei em enviar por e-mail a alguns amigos. Qdo comecei a pensar cheguei à conclusão que eu acho que ninguém que eu conheça (que me lembre) se iría dar ao trabalho de ler isto. Assim sendo, aqui vai.
"Este é um dos muitos alertas lançados pela Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) - uma das mais antigas e conceituadas associações cívicas de Portugal –, num documento hoje concluido e dirigido ao país."
in Publico Online
"TOMADA DE POSIÇÃO DA SEDES
1) UM DIFUSO MAL-ESTAR
Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional.
Nem todas as causas desse sentimento são exclusivamente portuguesas, na medida em que reflectem tendências culturais do espaço civilizacional em que nos inserimos. Mas uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias. Não podemos, por isso, ceder à resignação sem recusarmos a liberdade com que assumimos a responsabilidade pelo nosso destino.
Assumindo o dever cívico decorrente de uma ética da responsabilidade, a SEDES entende ser oportuno chamar a atenção para os sinais de degradação da qualidade da vida cívica que, não constituindo um fenómeno inteiramente novo, estão por detrás do referido mal-estar.
2) DEGRADAÇÃO DA CONFIANÇA NO SISTEMA POLÍTICO
Ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político.
É uma situação preocupante para quem acredita que a democracia representativa é o regime que melhor assegura o bem comum de sociedades desenvolvidas. O seu eventual fracasso, com o estreitamento do papel da mediação partidária, criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas, etc.
Importa, por isso, perseverar na defesa da democracia representativa e das suas instituições. E desde logo, dos partidos políticos, pilares do eficaz funcionamento de uma democracia representativa. Mas há três condições para que estes possam cumprir adequadamente o seu papel.
Têm, por um lado, de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; por outro lado, a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo; finalmente, não devem ser um objectivo em si mesmos...
É por isso preocupante ver o afunilamento da qualidade dos partidos, seja pela dificuldade em atrair e reter os cidadãos mais qualificados, seja por critérios de selecção, cada vez mais favoráveis à gestão de interesses do que à promoção da qualidade cívica. E é também preocupante assistir à tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural.
Estas tendências são factores de empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica. O que, em última instância, não deixará de se reflectir na qualidade de vida dos portugueses.
3) VALORES, JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL
Outro factor de degradação da qualidade da vida política é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas.
Com ou sem intencionalidade, essa combinação alimenta um estado de suspeição generalizada sobre a classe política, sem contudo conduzir a quaisquer condenações relevantes. É o pior dos mundos: sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a; a banalização da suspeita e a incapacidade de condenar os culpados (e ilibar inocentes) favorece os mal-intencionados, diluídos na confusão. Resulta a desacreditação do sistema político e a adversa e perversa selecção dos seus agentes.
Nalguma comunicação social prolifera um jornalismo de insinuação, onde prima o sensacionalismo. Misturando-se verdades e suspeitas, coisas importantes e minudências, destroem-se impunemente reputações laboriosamente construídas, ao mesmo tempo que, banalizando o mal, se favorecem as pessoas sem escrúpulos.
Por seu lado, o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada. Além disso, demite-se muitas vezes do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasto de desconfiança.
Num ambiente de relativismo moral, é frequentemente promovida a confusão entre o que a lei não proíbe explicitamente e o que é eticamente aceitável, tentando tornar a lei no único regulador aceitável dos comportamentos sociais. Esquece-se, deliberadamente, que uma tal acepção enredaria a sociedade numa burocratizante teia legislativa e num palco de permanente litigância judicial, que acabaria por coarctar seriamente a sua funcionalidade. Não será, pois, por acaso que é precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E que é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança.
4) CRIMINALIDADE, INSEGURANÇA E EXAGEROS
A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos. Se é certo que Portugal ainda é um país relativamente seguro, apesar da facilidade de circulação no espaço europeu facilitar a importação da criminalidade organizada. Mas a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência.
Ora, para além de alguns fogachos mediáticos, não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade.
Mas enquanto subsiste uma cultura predominantemente laxista no cumprimento da lei, em áreas menos relevantes para as necessidades do bom funcionamento da sociedade emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo utra-zeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom-senso.
Para se ter uma noção objectiva da desproporção entre os riscos que a sociedade enfrenta e o empenho do Estado para os enfrentar, calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária e confronte-se com o zelo que o Estado visivelmente lhes dedicou.
E nesta matéria a responsabilidade pelo desproporcionado zelo utilizado recai, antes de mais, nos legisladores portugueses que transcrevem para o direito português, mecânica e por vezes levianamente, as directivas de Bruxelas.
5) APELO DA SEDES
O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever.
A sociedade civil pode e deve participar no desbloqueamento da eficácia do regime – para o que será necessário que este se lhe abra mais do que tem feito até aqui –, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República.
As últimas eleições para a Câmara de Lisboa mostraram a existência de uma significativa dissociação entre os eleitores e os partidos. E uma sondagem recente deu conta de que os políticos – grupo a que se associa quase por metonímia “os partidos” – são a classe em que os portugueses menos confiam.
Este estado de coisas deve preocupar todos aqueles que se empenham verdadeiramente na coisa pública e que não podem continuar indiferentes perante a crescente dissociação entre o conceito de “res pública” e o de intervenção política!
A regeneração é necessária e tem de começar nos próprios partidos políticos, fulcro de um regime democrático representativo. Abrir-se à sociedade, promover princípios éticos de decência na vida política e na sociedade em geral, desenvolver processos de selecção que permitam atrair competências e afastar oportunismos, são parte essencial da necessária regeneração.
Os partidos estão na base da formação das políticas públicas que determinam a organização da sociedade portuguesa. Na Assembleia ou no Governo exercem um mandato ratificado pelos cidadãos, e têm a obrigação de prestar contas de forma permanente sobre o modo como o exercem.
Em geral o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. Deve fazê-lo de forma clara, transparente e, sobretudo, escrutinável. Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito.
A SEDES está naturalmente disponível para alimentar esses canais e frequentar as esferas de reflexão e diálogo que forem efectiva e produtivamente activadas.
Sedes, 21 de Fevereiro de 2008
O Conselho Coordenador
(Vitor Bento (Presidente), M. Alves Monteiro, Luís Barata, L. Campos e Cunha, João Ferreira do Amaral, Henrique Neto, F. Ribeiro Mendes, Paulo Sande, Amílcar Theias)"
"Este é um dos muitos alertas lançados pela Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) - uma das mais antigas e conceituadas associações cívicas de Portugal –, num documento hoje concluido e dirigido ao país."
in Publico Online
"TOMADA DE POSIÇÃO DA SEDES
1) UM DIFUSO MAL-ESTAR
Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional.
Nem todas as causas desse sentimento são exclusivamente portuguesas, na medida em que reflectem tendências culturais do espaço civilizacional em que nos inserimos. Mas uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias. Não podemos, por isso, ceder à resignação sem recusarmos a liberdade com que assumimos a responsabilidade pelo nosso destino.
Assumindo o dever cívico decorrente de uma ética da responsabilidade, a SEDES entende ser oportuno chamar a atenção para os sinais de degradação da qualidade da vida cívica que, não constituindo um fenómeno inteiramente novo, estão por detrás do referido mal-estar.
2) DEGRADAÇÃO DA CONFIANÇA NO SISTEMA POLÍTICO
Ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político.
É uma situação preocupante para quem acredita que a democracia representativa é o regime que melhor assegura o bem comum de sociedades desenvolvidas. O seu eventual fracasso, com o estreitamento do papel da mediação partidária, criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas, etc.
Importa, por isso, perseverar na defesa da democracia representativa e das suas instituições. E desde logo, dos partidos políticos, pilares do eficaz funcionamento de uma democracia representativa. Mas há três condições para que estes possam cumprir adequadamente o seu papel.
Têm, por um lado, de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; por outro lado, a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo; finalmente, não devem ser um objectivo em si mesmos...
É por isso preocupante ver o afunilamento da qualidade dos partidos, seja pela dificuldade em atrair e reter os cidadãos mais qualificados, seja por critérios de selecção, cada vez mais favoráveis à gestão de interesses do que à promoção da qualidade cívica. E é também preocupante assistir à tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural.
Estas tendências são factores de empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica. O que, em última instância, não deixará de se reflectir na qualidade de vida dos portugueses.
3) VALORES, JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL
Outro factor de degradação da qualidade da vida política é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas.
Com ou sem intencionalidade, essa combinação alimenta um estado de suspeição generalizada sobre a classe política, sem contudo conduzir a quaisquer condenações relevantes. É o pior dos mundos: sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a; a banalização da suspeita e a incapacidade de condenar os culpados (e ilibar inocentes) favorece os mal-intencionados, diluídos na confusão. Resulta a desacreditação do sistema político e a adversa e perversa selecção dos seus agentes.
Nalguma comunicação social prolifera um jornalismo de insinuação, onde prima o sensacionalismo. Misturando-se verdades e suspeitas, coisas importantes e minudências, destroem-se impunemente reputações laboriosamente construídas, ao mesmo tempo que, banalizando o mal, se favorecem as pessoas sem escrúpulos.
Por seu lado, o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada. Além disso, demite-se muitas vezes do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasto de desconfiança.
Num ambiente de relativismo moral, é frequentemente promovida a confusão entre o que a lei não proíbe explicitamente e o que é eticamente aceitável, tentando tornar a lei no único regulador aceitável dos comportamentos sociais. Esquece-se, deliberadamente, que uma tal acepção enredaria a sociedade numa burocratizante teia legislativa e num palco de permanente litigância judicial, que acabaria por coarctar seriamente a sua funcionalidade. Não será, pois, por acaso que é precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E que é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança.
4) CRIMINALIDADE, INSEGURANÇA E EXAGEROS
A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos. Se é certo que Portugal ainda é um país relativamente seguro, apesar da facilidade de circulação no espaço europeu facilitar a importação da criminalidade organizada. Mas a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência.
Ora, para além de alguns fogachos mediáticos, não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade.
Mas enquanto subsiste uma cultura predominantemente laxista no cumprimento da lei, em áreas menos relevantes para as necessidades do bom funcionamento da sociedade emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo utra-zeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom-senso.
Para se ter uma noção objectiva da desproporção entre os riscos que a sociedade enfrenta e o empenho do Estado para os enfrentar, calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária e confronte-se com o zelo que o Estado visivelmente lhes dedicou.
E nesta matéria a responsabilidade pelo desproporcionado zelo utilizado recai, antes de mais, nos legisladores portugueses que transcrevem para o direito português, mecânica e por vezes levianamente, as directivas de Bruxelas.
5) APELO DA SEDES
O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever.
A sociedade civil pode e deve participar no desbloqueamento da eficácia do regime – para o que será necessário que este se lhe abra mais do que tem feito até aqui –, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República.
As últimas eleições para a Câmara de Lisboa mostraram a existência de uma significativa dissociação entre os eleitores e os partidos. E uma sondagem recente deu conta de que os políticos – grupo a que se associa quase por metonímia “os partidos” – são a classe em que os portugueses menos confiam.
Este estado de coisas deve preocupar todos aqueles que se empenham verdadeiramente na coisa pública e que não podem continuar indiferentes perante a crescente dissociação entre o conceito de “res pública” e o de intervenção política!
A regeneração é necessária e tem de começar nos próprios partidos políticos, fulcro de um regime democrático representativo. Abrir-se à sociedade, promover princípios éticos de decência na vida política e na sociedade em geral, desenvolver processos de selecção que permitam atrair competências e afastar oportunismos, são parte essencial da necessária regeneração.
Os partidos estão na base da formação das políticas públicas que determinam a organização da sociedade portuguesa. Na Assembleia ou no Governo exercem um mandato ratificado pelos cidadãos, e têm a obrigação de prestar contas de forma permanente sobre o modo como o exercem.
Em geral o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. Deve fazê-lo de forma clara, transparente e, sobretudo, escrutinável. Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito.
A SEDES está naturalmente disponível para alimentar esses canais e frequentar as esferas de reflexão e diálogo que forem efectiva e produtivamente activadas.
Sedes, 21 de Fevereiro de 2008
O Conselho Coordenador
(Vitor Bento (Presidente), M. Alves Monteiro, Luís Barata, L. Campos e Cunha, João Ferreira do Amaral, Henrique Neto, F. Ribeiro Mendes, Paulo Sande, Amílcar Theias)"
domingo, fevereiro 10, 2008
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